sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Amizade X Mentira

Muitos de nós (e aqui me incluo) temos a mania de "deixarmos passar" muitas coisas que não se pode deixar passar nas relações, e que aos poucos vão minando a vida, as próprias relações e as situações. A mentira e a falsidade são uma dessas coisas que, se deixamos passar, ela vira uma bola de neve sem fim, até que chegamos ao ponto de não sabermos mais como reencontrar o caminho da verdade.

Um amigo mentiroso, por exemplo. Sabemos que a pessoa é mentirosa, já a vimos mentir muitas vezes sem necessidade, mas deixamos passar porque afinal, para nós ela jura que sempre diz a verdade. E além disso, quem somos nós para condenarmos os outros, se nós também temos os nossos defeitos? E nisso seguimos "relevando". Mas é muita ingenuidade nossa achar que uma pessoa que tem a mentira como opção para a verdade, ou seja, que pode dizer a verdade sem problema algum, e mesmo assim opta em dizer uma mentira, jamais vá nos mentir. Um dia, sem sombra de dúvidas, vamos descobrir as mentiras que ela nos contou. E obviamente, como consequência natural, não temos como continuar confiando indefinidamente. A mentira gratuita é um comportamento doentio, que deve ser tratado, e que impossibilita a pessoa de ter amigos de verdade, simplesmente porque não tem como construir uma amizade verdadeira sem confiança.

Mas aí que entra nosso problema em "deixar passar". Mesmo descobrindo as mentiras, pegando a falsidade no flagra, e com muitas mentiras desmascaradas, nós "deixamos passar", seja por piedade, seja para perdoar, seja para dar mais uma chance para a verdade, enfim, por diversos motivos, vamos deixando passar, e enquanto isso a pessoa continua indefinidamente nos mentindo sem parar, nas coisas mais triviais e desnecessárias (e quem sabe nas coisas grandes também?). E se ameaçamos contar que sabemos que ela mente, que não somos tão ingênuos como ela contou que fôssemos, que em silêncio desvendamos suas mentiras, a pessoa se sente profundamente ofendida, e num outro mecanismo doentio de manipulação, fuga e projeção, tenta inverter o jogo, nos agredindo e acusando de não sermos amigos de verdade, e muitas vezes tenta nos fazer sentir culpados por termos desconfiado dela e de sua "amizade". E mesmo se apresentamos as provas, ela se justifica e mente ainda mais para sustentar a "necessidade" de nos ter enganado descaradamente, tentando, de uma forma ou de outra, se sair de vítima, ou quem sabe, de "nobre mentirosa".

Para mim, pessoalmente, se existe algo pior que a mentira, é uma pessoa fazer o mal e dizer que o fez por nobres motivos. Que se tenha pelo menos a dignidade de assumir que errou, mesmo que não queira pedir perdão ou coisa do tipo. Se pode ser "nobre" para mentir, pode ser *verdadeiramente nobre* para assumir os erros. De qualquer forma, a nobreza de caráter exclui automaticamente atitudes conscientemente más do comportamento de uma pessoa (ninguém mente por ignorância ética - só quem não assimila nem a ética mais básica, ou seja, os psicopatas - ou inconscientemente - sempre tem como saber que se está mentindo. No máximo mente-se gratuitamente por impulso, mas aí pode-se admitir que errou).  Atitudes conscientemente erradas e nobreza de caráter são auto-excludentes. Uma pessoa nobre encontra soluções nobres. Simples assim. O que caracteriza uma pessoa nobre é justamente sua capacidade de sofrer ou suportar privações para manter intactos seus princípios éticos e morais. Ou seja, uma pessoa nobre prefere ser despedida à mentir para o chefe, por exemplo. Existem poucos nobres nesse mundo, e um mentiroso que tenta se passar de nobre justificando e mascarando sua mentira como correta, ainda tem muito que aprender sobre ética e nobreza. A mentira não tem nada de nobre, menos ainda entre amigos.

E nós? Quanto mais percebemos o quão doente ela é, mais temos compaixão, oramos por ela, ficamos com aquele sentimento de impotência, de querer ajudar sem saber como, e **continuamos**. Até que um dia nós olhamos para a pessoa e vemos apenas a face da mentira. O que nela é verdadeiro? Não sabemos mais. Não sabemos mais quem ela é, ou até se um dia realmente a conhecemos. Não sabemos mais se o que ela diz, por mais simples que seja, é verdade ou mais uma mentira. Não sabemos mais nem mesmo, por exemplo, se ela pintou as unhas de vermelho, como ela diz. Precisamos que ela nos mostre para termos certeza. Precisamos olhar o "esmalte vermelho" nas mãos dela para *vermos com nossos próprios olhos* que ela está dizendo a verdade. Que amizade é essa que não pode ter a confiança como alicerce nem mesmo nas coisas mais simples e banais da vida?

E então olhamos para trás e nos perguntamos: será que algum dia ela disse a verdade sobre alguma coisa? De tudo que ela disse durante todo esse tempo, o que era verdade e o que era mentira? Se quando ela jurava que nunca nos mentia, e que aos outros só mentia em situações extremas, mas que nós sempre recebíamos dela apenas a verdade, e então descobrimos que tudo isso (e até isso) era mentira, como saberemos se existe alguma verdade em tudo que ela nos disse ao longo da amizade, que muitas vezes pode ter durado anos? Não temos mais como saber... Não temos mais como saber o tamanho da bola de neve que está à nossa frente, nem o tamanho do trajeto que ela percorreu, porque a única pessoa que poderia nos dar essa certeza, nos guiar para a verdade, não raras vezes é a própria pessoa mentirosa, cuja palavra não vale mais nada sob nossos olhos.

A única saída numa situação assim é cortar relações, por mais que gostemos da pessoa. O que mais poderíamos fazer? Não digo brigar, mas fechar para ela as portas do nosso mundo, da nossa vida, da nossa amizade. Não tem como construir uma relação (seja ela qual for) sozinhos. Se uma das partes não coloca material de base para essa construção, um dia ela desmorona, não tem jeito. E para reconstruir sob os escombros demora muito mais tempo, porque primeiro é necessário retirar os escombros, que são pesados e que podem machucar, para depois começar a reconstruir. Só que é um investimento que requer materiais ainda mais nobres que o da construção, como o perdão, a disposição emocional, a paciência, a verdade plena, o tempo e sobretudo, um amor verdadeiro.

O problema que o mentiroso deve entender é que ainda é difícil encontrar na terra quem tenha todas essas virtudes à disposição daqueles que nos enganaram, nos foram falsos e mentiram para nós até quando nos juravam veracidade sob a égide de uma amizade à qual confiávamos de todo coração. E o indivíduo que passa pela situação de se ver diante de um mentiroso que lamenta a perda de sua amizade, não deve se martirizar por não ser ainda um santo, por não estar disposto a ser canonizado, reconstruindo uma amizade que no fundo nunca foi amizade. De qualquer forma o mentiroso que age assim com seus amigos deve se tratar, se realmente deseja, um dia, ter uma amizade verdadeira com quem quer que seja. Sem curar o seu caráter, só irá sofrer e fazer sofrer.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Desatando Ilusões

Na maioria das vezes vivenciamos relacionamentos problemáticos e até doentios porque ficamos receosos de tomar uma atitude definitiva. Quando se trata de relacionamentos conjugais, passam-se anos e anos até que um dos cônjuges, ou até os dois, tomem a decisão necessária e saudável da separação definitiva. Quando se trata de amizades, podem-se passar anos à fio igualmente insistindo numa amizade que nada trás de construtivo, prazeroso e até fraternal à ambas as partes. As coisas acontecem, os anos passam e fica-se "perdoando", "perdoando", "perdoando", quando no fundo a sujeira está é sendo colocada embaixo do tapete, que cada vez fica mais sujo.

Um dia, como sempre acontece, essa sujeira sai... Um vendaval mais forte levanta ele do solo e toda sujeira é exposta. Nesse dia é praticamente inevitável um afastamento, até para que as partes possam ter tempo de limpar verdadeiramente o ambiente e quem sabe, um dia, voltarem a se encontrar naquele local, ainda que não continuem os mesmos vínculos de outrora. Algumas mágoas, por serem realmente profundas, precisam ser incineradas e muito bem desinfetadas, jamais abafadas ou engolidas, para que não nos dê intoxicações que possam resultar em cânceres de difícil cura na alma.

Há relacionamentos que se tornam tumores que precisamos extirpar, para que nossa alma possa ser limpa e curada. É uma situação muito difícil para quem, por necessidade ou até convicção religiosa, deseja "perdoar" (só convencionalmente, porque na verdade remói no fundo do coração uma mágoa secreta e inconfessável) e sofrer todas as dores do câncer até que ele leve à morte por metástese. Quando há perdão verdadeiro a alma se auto-cura e a relação, se não é para ser, extingue-se sem trazer qualquer dano psíquico. A ilusão acaba e o desenlace se faz naturalmente. Quando há apenas o aparente perdão a relação continua, mesmo quando não é para ser, trazendo imensos prejuízos emocionais e psíquicos, pois que é quase impossível conviver com um desafeto como se ele fosse um afeto e não se adoecer no processo.

Ou é afeto ou é desafeto, não dá para ser as duas coisas ao mesmo tempo. E o primeiro passo da cura é assumir para si mesmo e para Deus o que aquele irmão é no nosso coração. É desafeto? Então não ofereça à ele as flores sublimes da afeição que só os afetos podem receber sem as macular ou destruir. Nossa afeição sincera é uma flor muito delicada que entregamos nas mãos daqueles cultivadores que as regarão, cuidarão e a deixarão mais lindas. Não podemos dar essas flores para os desafetos, porque são delicadas demais, imprescindíveis demais para a harmonia e equilíbrio de nosso Jardim Íntimo.

Não podemos fingir para nós mesmos que um desafeto é um afeto, esteja ele em que posição for na nossa vida (marido, mãe, pai, irmão, amigo, etc). Temos que, antes de tudo, colocá-lo no devido lugar, para depois, com trabalho, cuidado e paciência, conduzí-lo pouco à pouco ao posto de afeto, se for esse o desejo de ambas as partes. Somos todos irmãos, acima de tudo. Mas não podemos fingir que nossa fraternidade é perfeita como são as dos anjos. Temos desafios imensos, e assumirmos isso é o caminho para a maturidade e para as conquistas afetivas eternas e construtivas.

Somos humanos, acima de tudo. Fadados à pureza espiritual, mas até que cheguemos nesse patamar, muitos desafios enfrentaremos com nossos escolhos pessoais. Muitos caminhos de espinhos caminharemos, e muitas dificuldades enfrentaremos dentro de nosso próprio coração. Ora teremos afetos, ora teremos desafetos, é inevitável. Nossa busca incessante não é para jamais termos um desafeto, mas para que, tendo algum, busquemos transformá-lo em afeto no tempo do nosso coração. Deus é paciente, não nos obriga a amar todos os nossos irmãos, apenas diz que um dia essa será nossa realidade, e que se permitirmos, Ele nos ajudará à chegarmos no fim desse caminho... Mas nunca nos obriga a sentirmos o que nosso coração não consegue sentir naturalmente. Ele nos conduz aos caminhos, nunca nos obriga a caminhar por eles com pressa, sob pena de perder Sua condução. Somos nós que nos impomos a perfeição antes do tempo, jamais Deus faz isso conosco.

Ele sempre nos dá tempo para que, naturalmente, por desejo e necessidade sinceras de nossa alma, caminhemos pelos caminhos que Ele nos traçou. À nós cabe o compromisso firme e incessante de jamais desviarmos desses caminhos e sobretudo, das mãos do Condutor...